"Então, pelo amor de Deus! A questão não é fazer malabarismos pastorais nem tornar o cristianismo palatável à nossa sociedade neopagã!"
Hoje, mais que em qualquer outra época, caminhar pelas ruas de uma grande cidade como Roma é deparar-se com uma incrível mistura de pessoas, raças, culturas…
Caminho por Roma, tomo seu metrô, utilizo seus ônibus pensando na antiga Europa cristã…
Esta Europa não existe mais…
Existem sim, uma Europa e um Ocidente misturados, diversificados que, infelizmente, além de abertos aos demais (o que é bom), desconhecem e renegam seu passado cristão… e, desconhecendo suas gloriosas raízes cristãs, se desfiguram, se renegam a si mesmos…
Penso, então, em nós, “homens de Igreja”, tão preocupados em evangelizar: fazer novamente o Ocidente e a Europa conhecerem o Cristo e, mais ainda, plasmar uma nova cultura cristã, é o sonho e a obssessão de tantos de nós, “homens de Igreja”… Para isto, inventamos mil programas, mil modos para anunciar o Evangelho, levantamos mil hipóteses sobre o motivo da descristianização do mundo; culpamo-nos, culpamos a catequese, culpamos os erros históricos da Igreja, culpamos a liturgia…
Mas, nas nossas doutas análises – em geral tão pouco espirituais e tão desatentas ao Senhor – esquecemos o principal: o cristianismo não é uma proposta primeiramente a uma cultura, a um povo, a uma civilização; o cristianismo é uma proposta a pessoas concretas, individuais, que, tendo a falta de juízo de acolher um Crucificado como Salvador, recebem o Batismo e entram no Povo santo de Deus, que é a Igreja…
Esquecemos que o anúncio cristão não deveria procurar fazer piruetas pastorais e malabarismos, coreografias litúrgicas ou coisinhas engraçadas para atrair as pessoas. Deveríamos somente anunciar Jesus, e Jesus crucificado e ressuscitado, que será sempre escândalo e loucura quando confrontado com a mentalidade do mundo!
Foi assim no princípio, quando ainda estávamos nas catacumbas; será sempre assim!
Se impérios converteram-se a Cristo foi porque, naqueles tempos, a conversão dos governantes levava consigo os governados… Hoje não é mais assim! A conversão é pessoal! E somente uma conversão deste modo corresponde ao que o Senhor Jesus espera de nós!
Então, pelo amor de Deus! A questão não é fazer malabarismos pastorais nem tornar o cristianismo palatável à nossa sociedade neopagã! A questão é somente anunciar o Senhor – um Senhor que quis aparecer aos homens na Sua humildade humana e, mais ainda, na Sua louca e incompreensível Cruz! O resto, é Ele, somente Ele, Quem faz!
Aceitar o Cristo, tornar-se cristão, é obra da graça, não perícia nossa! A nós cabe anunciar sem medo, sem meios termos, sem esconder as exigências e a originalidade do Evangelho… Ao homem – a cada homem que vem a este mundo! – cabe a decisão de crer ou não crer, aceitar ou não aceitar um Deus assim!
No mundo do bem-estar, do consumo, da técnica, do capitalismo mais despudorado, mais que nunca a lógica do Evangelho é escandalosa. Pois bem, é a este mundo que temos de propor Jesus! Mas, somente vamos fazê-lo de modo crível se não nos escondermos atrás de um falso diálogo, de uma secularização desavergonhada, da negação do Mistério e da gostosa loucura de crer!
Como se engana quem pensa que tomando o jeito do mundo e sorrindo para as suas loucuras seremos aceitos! E ainda que fôssemos, o Cristo que pregaríamos seria falsificado e inútil! “Anunciamos Jesus e Jesus Crucificado!”
Isto! Levar Jesus, sorrindo, não dando bola para quem nos achar loucos, reacionários, quadrados ou alienados – como umas freirinhas francesas jovens, bonitas, felizes, com hábitos bem compridos, que vi hoje na estação Términi, aqui em Roma!
Viver Jesus, saborear Sua presença nas Escrituras e na santa Liturgia – como experimentei hoje pela manhã na Missa em Rito bizantino eslavo no Pontifício Instituto Oriental…
Sem medo de sermos cristãos, sem medo de sermos felizes, sem medo de viver o Evangelho com todas as suas consequências pessoais e comunitárias – como o jovem de 19 anos, Enrico, que encontrei em Rovigo e que deseja largar tudo para ser padre.
Eis! Ser cristão foi e continuará sempre sendo isto e só isto: um encontro com o Senhor, uma paixão por Jesus, um desejo incontido e meio inexplicável de apostar a vida Nele e a Ele entregar tudo!
É isto o cristianismo, é isto que devemos proporcionar ao homem de hoje, sem apreensão, sem perda da paz, sem achar que está tudo perdido, sem pensar que salvaremos o mundo, sem cair na ilusão que nossos maravilhosos estudos e programas pastorais serão a solução…
O resto, o Senhor fará como Lhe aprouver!
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Por Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares, PE
Via Aleteia